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10 de jul. de 2010

Meditação Quarta, Parágrafo Quarto*.

Ai de mim
Ai de nós

Feitos em parte de Tudo
E em outra parte de Nada

Uma parte arriscadamente sincera
Outra parte cegamente enganada

Tendo em mim
Todos os desejos
Toda a coragem e todo o medo
Para ir de encontro aos rochedos
Que o mar dos afetos me levar

Mas há neste jardim de flores suicidas (ah, minhas convicções!)
Pássaros que cantam motivos que não me pertencem
Velhos livros empoeirados
Na caduquice do tempo:
- o dever-dos-amores!
- A moral-geométrica-dos-desejos!

Então algum Nada que há em nós
Se encontra com algo de um Tudo
Que não é nosso

Ingênuo, e ainda vazio,
Vejo-me cantando:
- Agora sei todos os teoremas-pitagóricos-dos-desejos-de-plástico;
Sou uma “tecla-de-piano” **-afinada-e-lubrificada-que-soa-sempre-a-mesma-nota!

Mas os lábios que me beijam
Não me excitam
O hálito quente ao meu ouvido
Não arrepia o meu corpo

Pois se tudo o que há em mim é mar
Qualquer forma de cais
E só um nada qualquer no mundo

Não é meu este corpo

Nem é minha esta boca que se abre
Nem a fome que ela sente

Gritarei nos ouvidos de Descartes
Até que ele fique surdo:
- O meu único erro
É não seguir as marés de minhas intensidades!
(mudas)



"Não existem motivações racionais. Existem racionalizações de motivos emocionais."
(Aline Mayfair, aqui)



*Descartes, René. Meditações Metafísicas, “Meditação Quarta, Do Verdadeiro e do Falso”. 1641.
** Do livro Memórias do Subsolo, do Dostoiéviski. Mais precisamente, na pagina 44.

4 comentários:

Escrevendo pra esquecer disse...

lindo. perfeito. bom estar a ler por aqui. obrigado pela gentileza do comentário.

Isa Lorena disse...

menino bonito: experimento o poéticas. O outro blog foi só um devaneio passageiro...

Lídia Borges disse...

Um poema com emoções dentro, todas elas disfarçadas e contidas.

Excelente!
Vou tentar seguir a referência que deixa.

L.B.

Flávio Alencar disse...

Eis um exmplo de um poema que só pode ser definido como inefável! valeu calangão alucinógeno, continue nos presenteando com seus vômitos psicodélicos!