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22 de out. de 2010

Revoada silenciosa.



Desde já devo dizer que fiquei muito feliz e encantado com seu texto. Mas ainda fico atordoado diante de belezas simples e singulares (meu vasto e confuso coração se torna um grão de areia no meio da ventania): demorei pra assentar meu espírito em algumas palavras e tentar expressar o que me fizestes sentir ao ler-te, algumas outras tantas vezes já demorei tanto que o sentimento me escapou e se perdeu no meio dos compromissos diários (quantas crianças órfãs esquecidas pelo caminho!)- espero conseguir terminar este texto.
Sobre a economia das palavras, gosto de pensar nos pequenos poemas de Quintana: em pequenos versos - há nele poemas que chegam a ter apenas uma linha- resumi-se todo um universo, como se o poema fosse um acontecimento e todo o resto se calasse, ou, e assim gosto de pensar, como se houvesse uma espécie de teimosia em cada poema que ignora todo o resto do mundo e suas palavras e questões mudas, porque naquele breve instante, tudo se emudece e só aquele curto verso importa como se fosse ele a revelação de tudo o que antes estava velado.
Parece que há no silencio uma importância que só se revela quando este é insinuado- na precisão de um olhar, na segurança das mãos que aquecem... (pena, para mim, que Narciso ainda não esgotou o som das palavras: continua a ouvir os gritos que, apesar de serem de fora, ouve como se fossem seus- precisa ele ensurdecer-se pois ainda não desacreditou da verdade do sangue.)
Há mim parece que, se há felicidade no cair do céu, é porque há uma certeza muda de que todo fim é condição da possibilidade de um novo começo - e o sofrimento é o ocultar-se da felicidade como condição da possibilidade dela mesma.
Quanto à citada serenidade, percebo que algumas coisas que escrevo antes de serem expressões do que sinto e, por isso, conselhos a um outrem, são como que reivindicações das minhas angustias mais ocultas a mim mesmo: esta serenidade ainda me falta, minha mente parece mais uma gaiola cheia de pássaros em revoada e desespero de voar- diria Kant que falta em mim uma estrutura transcendental e seus juízos sintéticos para ensiná-los a voar.
Mas escrever assim, ”Conversa aberta, desfilosófica”, sabendo ser isto uma possibilidade de continuar a ler-te, é o que mais vale a pena neste momento: eu sempre tive uma teoria que, ao contrário do que talvez quisessem os cartesianos, os pássaros nunca voam apenas por puro pragmatismo de auto conservação da espécie, parece haver uma necessidade tácita de bailar no risco aéreo dos ventos- em nosso casso, brincar com a imprecisão de cada signo da humana epistemologia de papel.

Escrever assim é sempre um remexer em coisas ocultas. Eu não consigo ignorar as palavras, muito menos o silêncio delas: fica muito a dizer, sempre muito, de mim e, aqui, do seu escrito.


Obs: não entendi o que você quis dizer com “a de limão”.
[segundo a própria Ângela: "(...) é essa que não se vê, mas caso se aproxime o fogo do papel - ah que ela está lá! - assim me parece significar a "revoada silenciosa".]

1 comentários:

Ângela Calou disse...

Rafael, não responder aqui à sua belíssima leitura das coisas, era já respondê-la: a saber, através desse silêncio que motiva nossa recíproca remissão, e que na impressão que tenho de seu texto, não é outra coisa que não positividade.

Vc fala de coisas que ferem, sem precisar ferir... é sutil, escrever é sim a tua condição...

Quanto à escrita de limão, é essa que não se vê, mas caso se aproxime o fogo do papel - ah que ela está lá! - assim me parece significar a "revoada silenciosa".

Abraços literofilosóficos.