26 de jun. de 2011
No Caderno de Gritos.
10 de dez. de 2010
[para Ângela*, e apenas para todos nós].
"E tão vasta a noite na montanha. Tão despovoada. A noite espanhola tem o perfume e o eco duro do sapateado da dança, a italiana tem o mar cálido mesmo se ausente. Mas a noite de Berna tem o silêncio.
Tenta-se em vão ler para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo, inventar um programa, frágil ponte que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Como ultrapassar essa paz que nos espreita. Montanhas tão altas que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor. Nenhum galo possível. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio? Desse silêncio sem lembrança de palavras. Se és morte, como te abençoar?
É um silêncio, Ulisses, que não dorme: é insone: imóvel mas insone e sem fantasmas. E terrível — sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e "diga" alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Como eu, Ulisses? Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é a vida. Mas nas noites que passei em Berna não havia vento e cada folha estava incrustada no galho das árvores imóveis. Ou se fosse época de cair neve. Que é muda mas deixa rastro — tudo embranquece, as crianças riem brincando com os flocos, os passos rangem e marcam. Isso durante o dia é tão intenso que a noite ainda é povoada. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. O silêncio é a profunda noite secreta do mundo. E não se pode falar do silêncio como se fala da neve: sentiu o silêncio dessas noites? Quem ouviu não diz. Há uma maçonaria do silêncio que consiste em não falar dele e de adorá-lo sem palavras.
A noite, Ulisses, desce com suas pequenas alegrias de quem acende lâmpadas, com o cansaço que tanto justifica o dia. As crianças de Berna adormecem, fecham-se as últimas portas. As ruas brilham nas lajes e brilham já vazias. E afinal apagam-se as luzes das casas. Só um ou outro poste iluminado para iluminar o silêncio.
Mas este primeiro silêncio, Ulisses, ainda não é o silêncio. Que se espere, pois as folhas das árvores ainda se ajeitarão melhor, algum passo tardio talvez se ouça com esperança pelas escadas.
Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento, e da Terra e da Lua. Então ele, o silêncio, aparece. E o coração bate ao reconhecê-lo: pois ele é o de dentro da gente.
Pode-se depressa pensar no dia que passou. Ou nos amigos que passaram e para sempre se perderam. Mas é inútil esquivar-se: há o silêncio. Mesmo o sofrimento pior, o da amizade perdida, é apenas fuga. Pois se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta — como arde, Ulisses, por ser chamada e responder; — cedo se descobre que de ti ele nada exige, talvez apenas o teu silêncio. Mas isto os da maçonaria sabem. Quantas horas perdi na escuridão supondo que o silêncio te julga — como esperei em vão ser julgada pelo Deus. Surgem as justificações, trágicas justificações forjadas, humildes desculpas até à indignidade. Tão suave é para o ser humano enfim mostrar sua indignidade e ser perdoado com a justificativa de que se é um ser humano humilhado de nascença.
Até que se descobre, Ulisses — nem a tua indignidade ele quer. Ele é o Silêncio. Ele é o Deus?
Pode-se tentar enganá-lo também. Deixa-se como por acaso o livro da cabeceira cair no chão. Mas — horror — o livro cai dentro do silêncio e se perde na muda e parada voragem deste. E se um pássaro enlouquecido cantasse? Esperança inútil. O canto apenas atravessaria como uma leve flauta o silêncio. O que mais se parecia, no domínio do som, com o silêncio, era uma flauta.
Então, se há coragem, não se luta mais. Entra-se nele, vai-se nele para o Inferno? Vai-se com ele, nós os únicos fantasmas de uma noite em Berna. Que se entre. Que não se espere o resto da escuridão diante dele, só ele próprio. Será como se estivéssemos num navio tão descomunalmente enorme que ignorássemos estar num navio. E este singrasse tão largamente que ignorássemos estar indo. Mais do que isso um homem não pode. Viver na orla da morte e das estrelas é vibração mais tensa do que as veias podem suportar. Não há sequer um filho de astro e de mulher como intermediário piedoso. O coração tem que se apresentar diante do Nada sozinho e sozinho bater em silêncio de uma taquicardia nas trevas. Só se sente nos ouvidos o próprio coração. Quando este se apresenta todo nu, nem é comunicação, é submissão. Pois nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio, não para o silêncio astral.
Se não há coragem, que não se entre. Que se espere o resto da escuridão diante do silêncio, só os pés molhados pela espuma de algo que se espraia de dentro de nós. Que se espere. Um insolúvel pelo outro. Um ao lado do outro, duas coisas que não vêem na escuridão. Que se espere. Não o fim do silêncio mas o auxílio bendito de um terceiro elemento: a luz da aurora.
Depois nunca mais se esquece, Ulisses. Inútil até fugir para outra cidade. Pois quando menos se espera pode-se reconhecê-lo — de repente. Ao atravessar a rua no meio das buzinas dos carros. Entre uma gargalhada fantasmagórica e outra. Depois de uma palavra dita. Às vezes no próprio coração da palavra se reconhece o Silêncio. Os ouvidos se assombram, o olhar se esgazeia — ei-lo. E dessa vez ele é fantasma."
(Clarice Lispector - Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, pp. 37-39)
Todo o livro, até aonde agora pude ler, é uma espécie de confrontar-se com esse silêncio. Da parte que até agora ouvi e poço dizer desta nova epistemologia, é uma espécie de lançar-se na escuridão e sempre retornar ao ponto de partida, que é sempre o mesmo e ao mesmo tempo que qualquer um - posto que se funda não no espaço ou instante temporal, mais em uma espécie de ocultar-se da ingenuidade que nos fazia crer que encontraríamos e, simultânea e simétricamente, um revelar-se da volátil verdade insustentável: quanto mais se pede em vociferação uma resposta, mais se cala a unica coisa que nós resta aceitar: o silencio do mundo e o seu reverberar-se eterno. Dito assim, até parece que a ingenuidade tem, epistemolgica, e talvez até, ontologicamente (se o que sabemos é o que é e o que é não é mais que o próprio mundo a dizer-se pra si mesmo, como queria Spinoza), a mesma importância fundadoura da lucidez não é? Talvez seja. Em alguma outra parte deste mesmo livro, a personagem fala que prefere não entender, pois "entender é algo tão limitado". será tudo isso o que se pode chamar - que não estejam a me ler agora os barbudos da academia - de um tipo de "epistemologia negativa": não saber para poder saber mais e sempre mais? Talvez. Se assim for, será pois, antes, " preciso saber escapar de saber".
Talvez para que fiquem ainda garantidas às novas verdades e grandes construções do intelecto a dignidade e importância que lhes são merecidas, o "talvez" deva continuar sendo a unica certeza - talvez e sempre talvez.
*http://ecce-ancilla.blogspot.com/2010/11/contra-dizer.html
28 de nov. de 2010
A ultima sinceridade.
21 de nov. de 2010
III Colóquio Benedictus de Spinoza
Viajarei só, à noite. Seremos apenas eu e a multiplicidade confusa das estrelas, além de todo o silencio da verdadeira face do universo. Somos todos, aqui neste planeta a girar sem nenhum pragmatismo, corpos a brilhar, pior ainda, não temos brilho próprio: a escuridão a negar qualquer significado ou distinção, e nós aqui a refletir uma luz que teima em nos atingir. Lá fora, o que de fato há é apenas silencio e escuridão, nada mais. Nada para buscar, nada para investigar, nada de claro e distinto para ser revelado. Fora isso, há uma ninharia de luz a afirmar-se sozinha, vagando em uma velocidade inalcançável, eternamente única. O buscar é apenas a afirmação da inconformidade ante ao NADA, não é a profecia de que algo está velado.
Será que é preciso mesmo manter-se puro e polido para refletir essa luz?
A noite será solitária, as previsões não podem ser outras. Na companhia de um artigo que eu ainda não consegui cuspir pra fora e que provavelmente me será cobrado nos próximos dias, com um bolo imenso de conceitos dentro do estomago, todos a se revirarem lançando pequenas idéias enzimáticas para a cabeça, tornando cada vez mais nítida a vertigem.
Duas esfinges me fitam ameaçadoras: ou a forma como ando bebendo os conteúdos não me permite digeri-los e expressa-los, ou não há nada que eu possa dizer com o meu dialeto cacofônico destas coisas que me empurram goela abaixo...
17 de nov. de 2010
Há que se derramar-se de alguma forma.
O silêncio é a única verdade*...
........
...Todo o resto é grito de quem não consegue ouvi-lo.
**Segundo Espinosa, filósofo nascido, fundido a ferro e fogo, na Holanda do séc. XVII, Deus, a Natureza, a Substancia Única, a Totalidade de todas as coisas encerrada e contida em seus limites, revela-se a si mesma, exprime , e imprime, toda a sua verdade e toda a sua potência - imputando em si mesma as suas marcas -, naquilo que há de mais singular, mais determinado e, inevitavelmente, quase que condenadamente, mais subordinado, mais condicionado, mais Finito... Mais... Ínfimo e Fugaz.
Obs.: Mais uma vez, como em todos os outros posts que jazem neste sitio, o que fica é a certeza, tácita (com todo o risco subjacente), que o mais importante foi apenas insinuado - que me perdoem os que aqui entram procurando uma completude encerrada em locuções quaisquer.
31 de out. de 2010
Do silêncio II.
22 de out. de 2010
Revoada silenciosa.
11 de out. de 2010
Momento Narcisista IV.
No Jardim das Flores Suicidas II.
23 de ago. de 2010
Mar de Sophia*
19 de ago. de 2010
No jardim das flores suicidas...
Dos Laços Familiares
Que às vezes, por impiedade
(ou, não sabe ela, por pura ingenuidade)
Pari relâmpagos
De consciência angustiada e desespero
Assim somos, nós:
Relâmpagos, claros no meio da madrugada
Onde só as incertezas,
Tantas quantas são as estrelas,
São testemunhas da nossa queda
Como anjos (Lucifer’s)
Que já nascem cuspidos do céu de verdades puras.
É imprescindível que você leia o poema hiperlincado em 'Lucifer's"
11 de ago. de 2010
Fala a “consciência hipertrofiada”*...
2 de ago. de 2010
Momento Narcisista III.
28 de jul. de 2010
Relatos de um poeta desesperado.
O contraditório escândalo sobre a Poesia
10 de jul. de 2010
Meditação Quarta, Parágrafo Quarto*.
9 de jul. de 2010
Estou a ler:
8 de jul. de 2010
Conselhos de Okeanós I.
4 de jul. de 2010
O papel rasgado e o sangue a escorrer.
3 de jul. de 2010
Ainda sobre a pagina em branco e o papel rasgado.
30 de jun. de 2010
A pagina em branco...
Eu quero beber uma garrafa etílica de palavras
28 de jun. de 2010
O Destino.
18 de jun. de 2010
O Ultimo Epitáfio.
6 de jun. de 2010
Narciso Ébrio e Apaixonado
Cena do filme Nome Próprio de Murilo Sales
Jogado no canto daquele apartamento vazio
Estava o corpo ainda vivo
Talvez apenas suspiros
Aprisionados naquele pulmão cancerígeno
(A evaporar em fumaças de cigarro, podre e roxo)
Sussurrava gemidos
Talvez vomitasse delírios
(esôfago seco e rígido a rachar em acidez):
“Mar
Rio
Ferido
Mais que isso
Sempre mais que tudo
Cindido
Distúrbio noturno
Tranqüilo?
Não ainda
Sempre mais ainda
Metafísico
Físico só
NARCISO!”
Em sua pele
Apenas calor era
Os raios que rompiam a janela
O sol ainda insistia em nascer lá fora.
Poeminha a Amada Temerosa (ou Dos Amores Primaveris)
26 de mai. de 2010
Pequeno bilhete ao marinheiro
23 de mai. de 2010
Um Parêntese ao Poeta
Sou um homem.
Portanto,
mais que palavra.
Não pronuncio
o sentimento
apenas como palavra.
O que foi dito
ao entardecer
não se confirma
na madrugada.
O que foi visto
no sonho
não se confronta
com a realidade.
Sou um homem.
Portanto,
uma surpresa.
A Nau Solipsista
Leidevam Rodrigues
Maíra...
Será a vida
Maíra...
Mais ela é só Mar
Mais que um barco
15 de mai. de 2010
Com a pele fria e sem sentir.
Tem os olhos de vidro
E só enxerga
Por imagem e representação
E ele sempre morre petrificado
Na inércia da reflexão
Sobre o rio
E a imensidão solitária de si mesmo.
A Sinfonia de Meus Moinhos
Que invade as portas
Da casa vazia
Ouço, lá longe,
Um moinho a ranger
É só o que eu ouço
Move o vento
O moinho
Range ele bem baixinho
O moinho a me moer.
Eu mesmo talhei
No ultimo inverno de solidão
Esse pequeno e áspero moinho
Só pra não viver sozinho
No silencio e imensidão
Desta casa vazia.
E agora eu sei
E também doe saber
Que sou eu
Que o faço moer
Moe o vento
O moinho
Geme ele bem baixinho
O moinho a me mover
* pequeno rabisco de uma idéia maior, áspera que é... do mesmo caderno das dores de amor de Narciso.
2 de mai. de 2010
Nota de Roda Pé.
"É. Ultimamente não tenho feito outra coisa que não seja lutar contra estes moinhos de vento... talvez estejam eles dentro de mim a moer a ventania de minha própria alma."Depois de um dia de ressaca de vinho da noite anterior, dormirei à pensar nestes moinhos... [nesta noite solitária de relâmpagos e tempestades]
10 de abr. de 2010
Momento Narcisista II.
Eu sou puro Grito
Mudo
De significado e definição
As minhas Intensidades
São todas dogmáticas
E as minhas paixões
São como suicidas kamikazes
Que se lançam
Nesta eterna guerra
De impulsos e amores egoístas
Sou um individuo
De pouquíssimas convicções
As poucas que tenho
Sempre falecem
Como as flores que suicidam-se
Lançando-se dos galhos, murchas e secas,
Antes do por-do-sol,
Sempre antes do por-do-sol.
24 de mar. de 2010
Subjetividade
.........................................
14 de mar. de 2010
Por que o silencio...
6 de mar. de 2010
Os ecos de um silêncio.
3 de mar. de 2010
Do desespero e outros silêncios.
E o poeta se joga
Do alto do fim
Do primeiro verso
Despenca todo poema
E cai em cima do ultimo
Ponto final
Ele não quer mais
Respirar locuções
Não quer mais se alimentar
De rimas
Ele quer se enforcar
Em cada palavra
Morrer sufocado
Por silêncio.
26 de fev. de 2010
Do silêncio exterior.
- Façam silêncio!
A força do silêncio que há em mim me obrigou a publica-lo antes de encontrar uma imagem a altura. Se alguem tiver uma sugestão... Halamo?
16 de fev. de 2010
3 de fev. de 2010
Das noites em que o céu cai.
2 de fev. de 2010
O doce sacarina das palavras.
27 de jan. de 2010
A beleza e o corvo
Do silêncio.
O grito, pintura de Edvard Munchu(1983)
19 de jan. de 2010
O canto dos impávidos.
Que a coluna que edifico para o meu ego
Se desfaz
Em lagrimas
De
Açúcar.
Pois se é doce o gosto da vitoria,
É também frágil
A primeira
Chuva.
E que tantas outras chuvas venham.
Porque é dos cacos
De tantos céus que vi cair,
Que faço um caminho de diamantes
Para caminhar.
E eu poderia sair agora pelo mundo;
Correr pelas ruas descalço
E sentir os cacos perfurarem meus pés.
Amar e beber
Todo esse sangue
Que banha o meu corpo
E me torna cada vez mais vivo e sedento
Por caminhos nus
E terras virgens.
O fim do poema.
Às cegas, às escuras,
Eu fui te amar
Eu fui te ver?
Como rimas invisíveis
Uma sutileza implícita
Paranóia amiga
(Calada cega e sem nome).
Mas a realidade
É muito mais do que Beijos Sonhados.
Muito mais do que
Abraços Imaginados,
Na ausência, na espera.
Em que momento
A gente se perdeu,
Fingiu sumir,
Fingir, fugir do caminho?
Em que momento
As rimas sumirão?
A sutileza das métricas,
A volúpia dos gostos?
Em que momento
A insipiedade das palavras?
... E aqui te encontro, no fim do poema. Na linha tênua que separa a minha ilusão do teu rosto frio a me ignorar.
(escrito originalmente em 12 de dezembro de 2009)
31 de dez. de 2009
O jardineiro
De olhos fechados é mais fácil.
Enquanto as bocas se beijam,
As palavras se calam.
Sonhar
De olhos fechados é mais seguro.
Enquanto os planos dormem,
Os erros se perdem no escuro.
Os beijos platônicos
Estão esquecidos nas gavetas do possível.
Todos os enganos,
Feitos de frutos mal escolhidos,
São os sonhos que o destino
Não fez a vida sonhar.
E o jardineiro,
Podando as rosas,
Cortando as venenosas,
Não espera belas ou cheirosas.
Porque rosa que é rosa,
Em si, só nasce rosa.
(escrito originalmente em 23 de setembro de 2009)
Angustia.
19 de dez. de 2009
Ensaiando vôos II
...Sentado de frente ao birô ele a observava como quem avistasse um mundo a ser desbravado. Sentada em um outro canto da sala, ela se perdia. Hora à folhear algumas revistas velhas que a sucessão de novas noticias e, mais ainda, especulações infinitas acerca de temas inúteis as tornaram talvez até menos usáveis que os jornais que agora aparavam as fezes do solitário pássaro que repousava na gaiola da varanda, hora à olhar pela janela e pensar no mundo que se perdia lá fora.
...Talvez imperscrutável mesmo fosse aquele olhar que se perdia de si mesmo. Talvez mistério mesmo fosse aquele procurar em outro mundo o que não via em si. E se perdia, posto que era carência por não ver.
(escrito originalmente em 19 de novembro de 2009)